segunda-feira, outubro 09, 2006

Apenas Mais uma de Amor...

"Faz hoje vinte dias que fiquei sabendo dos acontecimentos relacionados com a morte de meu filho Luiz Eurico Tejera Lisbôa, desaparecido na primeira semana de setembro de 1972 e localizado, há mais ou menos dois meses, no cemitério de Perus, Estado de São Paulo, sob o falso nome de Nelson Bueno. Antes de mais nada, quero deixar bem claro que a versão suicídio, dada por ocasião de seu assassinato, jamais será aceita por mim ou por qualquer pessoa que o tenha conhecido de perto. Quanto às tentativas de enlamear seu nome, são torpes e nojentas demais para que me digne a discuti-las. Partindo de quem partiram, nem sequer me causam surpresa. Os amigos de meu filho, os que de um ou outro modo conviveram com ele, sabem que Luiz Eurico era um jovem idealista e estudioso. Seu único vício era a leitura, numa preocupação constante com o momento político-econômico deste país, indo à raiz dos fatos e buscando entender suas causas.

Releio neste momento a Declaração apresentada no 1° Encontro Estadual de Grêmios Estudantis, realizado de 21 a 23 de junho de 1968, cuja redação esteve a seu cargo. Escrevendo, e lendo alguns trechos em voz alta para que eu pudesse acompanhar seu pensamento, dizia ele a certa altura:

‘A juventude já não aceita refugiar-se no intelectualismo oco de outros tempos, mas também recusa-se a compactuar, por assentimento ou omissão, com uma ordem social que desumaniza o indivíduo e destina à fome e à mais completa ignorância quase dois terços da humanidade.A cultura deve extravasar os círculos limitados do deleite ou realização pessoal para assumir o papel de agente dinâmico na transformação da sociedade.Este mundo de guerras, de sobressaltos e insegurança, do lucro como motor de desenvolvimento, dos grandes monopólios subordinando aos interesses de uma minoria todos os aspectos da vida social, este mundo dividido em explorados e exploradores, em que a fome elimina anualmente milhares de vezes mais vidas humanas do que a criminosa guerra do Vietnã, este mundo perdeu sua razão de ser, quando se consomem milhões de dólares para matar a outro homem, quando os orçamentos militares sâo constantemente aumentados em detrimento de necessidades vitais, quando a separação entre humildes e poderosos atinge as proporções de um verdadeiro cataclisma, quando as mais ponderadas manifestações de alerta são silenciadas a bala, quando o descontentamento se torna universal e o indivíduo desfalece nas tramas de forças materiais que ele não dirige e muitas vezes não compreende’.

Este era o terrorista Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Seu dizer era claro, firme e coerente com seu modo de pensar e agir. Seus aterrorizados assassinos, com a cabeça vazia de idéias, souberam apenas empunhar uma arma. Qualquer pessoa com inteligência mediana percebe logo que, tanto ele como vários de seus companheiros também assassinados, constituíam realmente um perigo em potencial. Eram inteligentes, estudiosos, sabiam pensar por si mesmos. Haverá razão mais forte para exterminá-los?

Faz hoje vinte dias que venho tentando desviar meu pensamento dessa realidade brutal. Meus olhos estão cansados de chorar. Mas não se enganem. Não choro de pena do meu filho que, onde quer que esteja, deve estar muito bem. É apenas de saudade. Creio numa outra vida. A morte rápida de torturadores me dá a maior certeza disso. Ninguém devendo tanto pode escapar assim ligeirinho se não for pagar em outro lugar.

Os Torturadores Pagarão
Pelas noites de vigília que passei chorando a ausência de meu filho e a incerteza de seu destino;
Pelos dias, horas e minutos que vivi, numa quase obsessão, esperando que alguém chegasse, de repente, ao meu apartamento, para me dizer onde e como ele estava;
Pelos sete anos que passei sem poder me concentrar em nada, porque em minha mente só cabia sua imagem;
Pelo medo, que tantas vezes me assaltou, de tê-lo de volta inútil e deformado pelas torturas;
Pela miséria mais horrível que eu vi neste Brasil de norte a sul;
Pela vergonhosa impunidade dos torturadores e assassinos;
Pela saudade mais cruel que me acompanhou ao longo destes sete anos e que agora há de prolongar-se até o fim dos meus dias;
Por toda a transformação que meu filho tanto desejou ver neste país faminto e esquecido;


Tenho a mais profunda convicção de que uma força, bem maior que a capacidade de matar de seus assassinos, há de dar o merecido castigo aos que planejaram e determinaram, aos que, por aceite ou omissão, participaram e aos que executaram todo esse horror que está aí, presente, nas faces e nos olhos de mães, esposas, filhos e irmãos daqueles que foram estupidamente torturados e assassinados e dos que ainda sofrem as prisões!

Se Ele Voltasse...
Não choro de pena de meu filho. E, se fosse possível voltar de onde ele está, eu lhe pediria para continuar pensando e agindo como sempre pensou e agiu. Ainda que isso importasse em ser novamente assassinado. Pois prefiro vê-lo morto, uma e mil vezes, a tê-lo por longos anos a meu lado numa inconsciência inútil, estúpida e criminosa! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, seu espírito há de pairar sobre os justos movimentos reivindicatórios deste país, dando força, lucidez e coragem a seus participantes ! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, onde quer que esteja há de estar pedindo justiça e liberdade para este povo humilde e esquecido que ele tanto amou!Porto Alegre,10 de setembro de 1979."

______________Clélia Tejera Lisbôa, escrita quando soube da descoberta do corpo de seu filho.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Caralho!
Texto foda.

De onde foi tirado?
deixa o link para acessarmos.

Blog pouco bom, viu?
té mais.

6:38 PM  

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